“A própria vida é um caminho de iniciação que se torna mais eficaz quando a vida é vivida mais conscientemente, o que pode ser conquistado por meio do trabalho biográfico” (BURKHARD, 2002)
O homem, apesar de seu conhecimento e domínio da natureza, vem sofrendo por muitas décadas com preocupações, medos, duvidas e frustrações. O movimento de resolver suas questões atordoantes tem sido se voltar para o mundo externo em busca de respostas que o auxiliem no elemento chave e que lhe traga luz na condução do caminho certo a percorrer. Contudo, ele fica à deriva por não obter a resposta das perguntas intrínseca do seu Ser “Quem sou EU?”, “Qual o sentido da minha vida?”. Neste enfoque, rever a história de vida através do Processo Biográfico tem contribuído terapeuticamente muito com o despertar do indivíduo oferecendo o olhar para o caminho interno de seu desenvolvimento e o reencontro com este norte e a compreensão de si.
As pessoas que buscam o Processo Biográfico esperam alcançar um novo sentido vida, um direcionamento, um novo caminho. Buscam também clareza, auto-aceitação, paz, harmonia, equilíbrio, fortalecimento, enfim, serem felizes.
Fundamentada pela Antroposofia e seu fundador Rudolf Steiner (1861-1925), surgiu no século XIX. A Antroposofia é considerada como uma ciência espiritual moderna e prática. Apresenta uma visão peculiar em que o homem, na qualidade de indivíduo, torna-se senhor de seu destino – desde que desperto para a consciência de ser, ele próprio, autodeterminado e, portanto, potencialmente livre. Segundo LANZ (2005), “Uma ciência do cosmo! É uma ciência que ultrapassa os limites com os quais até agora esbarrou a ciência ‘comum’.
Steiner relacionou o corpo do homem, a alma e o espírito, ou seja, através do corpo o indivíduo se relaciona com o externo, como o objeto se apresenta a ele; com a alma o homem se relaciona com o sentimento de agrado ou desagrado e associa ao seu próprio existir, e por espírito é o que se revela no homem quando ele contempla as coisas como se fosse um ente divino.
“O homem é, assim, cidadão de três mundos. Por meio de seu corpo, pertence ao mundo que ele percebe com esse mesmo corpo; por meio de sua alma, edifica para si seu próprio mundo; por meio de seu espirito se lhe manifesta um mundo elevado acima dos outros dois” (STEINER, 2004)
Balizado nos conceitos da Antroposofia de Rudolf Steiner, Bernard Lievegoed, psiquiatra holandês, fundamenta os arquétipos de desenvolvimento humano divido em fases e relacionando os três pontos de vista do ser humano de Steiner compondo uma única imagem: a do ser físico (a imagem biológica do homem); como uma “psique” (imagem psicológica do homem) e como um ser espiritual (a imagem biográfica do homem).
Lievegoed (1984) comenta que “no método biográfico cada fase tem sua própria forma – tem seu próprio significado, e não pode ser substituída por nenhuma
O conhecimento destas fases permite conhecer melhor os frutos que se colhe em cada fase, os períodos de transformações, os desafios, crises e aprendizados gerados com as experiências da vida (LIEVEGOED, 1999).
O Trabalho Biográfico como inicialmente denominado ou Processo Biográfico, chegou ao Brasil em 1976 e foi desenvolvido pela médica antroposófica Gudrun Burkhard. Em 1989, juntamente com Dra. Michaela Gloeckler, iniciaram os cursos para preparação de médicos e terapeutas.
Burkhard (2000) descreve o Trabalho Biográfico como um processo terapêutico, de autoconhecimento que oferece ao indivíduo a possibilidade de compreensão de sua história de vida a partir dos acontecimentos gerados ao longo do seu desenvolvimento de vida. Em nossa história existem leis biográficas, ritmos e arquétipos e elas nos auxiliam a ter uma visão mais ampla sobre os sofrimentos, as crises como caminho de aprendizado e que nos levam à transformação e crescimento.
A proposta do trabalho é desenvolver o indivíduo a partir da mobilização das forças do EU, capacidades adormecidas, maior compreensão das crises, escolhas, visão da própria essência e mais consciência do processo de vida. As crises de vida são momentos que solicitam reflexão do indivíduo, “Como cheguei a este momento?”, “Quais foram as minhas escolhas, sonhos”, “Quais são os meus desafios de desenvolvimento?” Momento este importante para uma conexão com o sentir “coração” e para encontrar o caminho da realização daquela individualidade.
Sua metodologia é composta por levantamento de forma ordenada da história de vida desde a hereditariedade através da escrita, da arte, a pintura, dissertação dos fatos e apresentação dos arquétipos de cada setênio.
O ser humano, em seu amadurecimento biológico, psicológico e espiritual, passa por diversas fases denominadas “setênios”, ou seja, períodos de sete anos. Lievegoed pesquisou diversos autores que abordavam a divisão da vida em fases, como Rumke, Charlotte Buhler, Watering, Guardini e Martha Moers. Ele adotou os setênios por ser o esquema mais antigo, o grego, e que teve uma influência na cultura ocidental compondo dez fases de sete anos.
Durante o processo o participante irá ampliar a visão sobre si e despertar para suas potencialidades, habilidades estagnadas, talentos, crenças, valores e padrões de comportamento. Descobrirá os seus desafios de desenvolvimento, como também, o que lhe gera energia, saúde física, emocional e favorecendo o processo educativo dos filhos.
Ao longo desses dez anos em que venho realizando o trabalho biográfico, observei que os participantes são na maioria mulheres, na faixa etária entre 28 e 56 anos, com escolaridade superior e profissionalmente ativos. Ao longo do processo biográfico acontece um despertar dos fatos geradores de saúde. O indivíduo que está desconectado de si encontra o seu eixo condutor e de sentido de vida, reconhecendo-se, fortalecendo-se, gerando uma visão de futuro clara, objetiva e realizável.
Através da observação da evolução da biografia individualizada pode-se notar a singularidade de cada indivíduo e sua contribuição no auto aprendizado e de busca da autonomia e liberdade.
Burkhard esclarece que realizar o biográfico é o enxergar através de formas, cores e imagens cada setênio, construindo uma grande visão da vida semelhante à visão que temos após a morte, designado por ela como “o panorama da vida” e, desta forma, o indivíduo pode realizar mudanças em sua vida (Burkhard, 2002).
BURKHARD, Gudrun. Bases antroposóficas da metodologia biográfica: a biografia diurna. Antroposófica, 2002.
BURKHARD, Gudrun. Tomar a vida nas próprias mãos: como trabalhar na própria biografia o conhecimento das leis gerais do desenvolvimento humano. Antroposófica, 2000.
LANZ, Rudolf. Noções básicas de antroposofia. Antroposófica, 7°ed. São Paulo, 2005.
LIEVEGOED, Bernardus Cornelis Johannes. Fases da vida: crises e desenvolvimento da individualidade. Antroposófica, São Paulo, 1999.
STEINER, Rudolf. Teosofia. 7º ed. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2004.